sábado, 16 de abril de 2022

Notas para a invasão russa.

Segundo Wolfgang Leonhard, antigo dirigente da República Democrática Alemã (RDA), o sistema soviético impunha uma mentalidade medíocre, ao dirigente importava ter uma boa memória, a capacidade de absorver o máximo de resoluções e elaborar diretivas. Um dirigente não podia ser estúpido, mas não podia ser demasiado inteligente, porque as pessoas desse calibre tendem a desafiar as informações, a questionar os relatórios, a detetar as falhas e, portanto, tendem a cair na desobediência. Wolfgang afirmava que quando o sistema estava em crise despontavam os dirigentes brilhantes como Kádár, Dubcek e Gorbachev. Durante os tempos normais governavam os dirigentes medianos, aqueles que incorporavam em toda a sua dimensão o espírito do “Partinost”, nesses tempos o socialismo real era dirigido pelos Ulbrichts e os Honeckers da vida soviética. 

É certo que a Federação Russa não é a União Soviética. As ruturas ocorridas são profundas em vários níveis, no entanto, a invasão militar russa na Ucrânia demonstra que no plano das mentalidades políticas existe uma continuidade. A famosa reunião do Conselho de Segurança da Rússia de fevereiro, que foi transmitida em direto na televisão estatal e que o próprio Putin a caracterizou como espontânea e sem qualquer preparação preliminar, é emblemática. Na reunião Sergei Naryshkin (responsável pela inteligência russa e antigo companheiro de Putin no KGB) surge à frente de Putin sem um guião oficial e apresenta um discurso hesitante e confuso. É óbvio que o dirigente russo não estava preocupado com a sua própria análise, mas procurava acertar na resposta que Putin queria ouvir. Um momento caricato e dramático que vai entrar para os futuros livros de história sobre a Federação Russa. Hoje não há dúvidas sobre as ambições imperialistas de Putin e do sonho em reconstituir o antigo império russo. O próprio nunca deixou de esconder a agenda expansionista através de um discurso revisionista e o confronto com a história. Para ele o fim do Império do Czar foi um erro histórico de Lenine e da revolução bolchevique. Entrelinhas afirma que a Ucrânia não devia existir enquanto unidade política e desafia a existência de outras nações (caso da Filândia). De facto, Putin pretende alterar o paradigma da região ao redesenhar as fronteiras da região à luz do nacionalismo russo. Algo que deixou de ser questionável. 

Se no início da guerra tudo indicava que a Rússia ia ganhar a guerra, hoje a questão é mais complexa e profunda. A Rússia admitiu que sofreu perdas significativas durante a invasão militar. Há rumores de 7 generais mortos em combate, mas a Rússia apenas confirmou a morte do general Andrei Sukhovetsky. Muitos analistas afirmam que a taxa de mortalidade de oficiais russos é um sinal de “falta de preparação” das Forças Armadas Russas que, nos últimos dias, sofreu um novo revés com o ataque ao cruzador de mísseis Moskva. Um navio construído no estaleiro ucraniano soviético, batizado de Slava (Glória) e, mais tarde, com o fim da URSS, foi rebatizado de Moskva (Moscovo). Na verdade, havia planos para o abate do navio, no entanto, continuava a navegar como símbolo do poder da marinha russa. Ao afundar o navio a Ucrânia não consegue alterar a correlação de forças, no entanto, consegue um impacto tremendo no plano internacional, fere o orgulho do invasor e estes acontecimentos não são circunstanciais no confronto dos nacionalismos e dos orgulhos exacerbados. A Rússia corre o risco de ser temida apenas pelo arsenal nuclear. 

Hoje também é evidente que Putin fracassou na concretização de golpes palacianos na Ucrânia, mesmo com pedidos desesperados aos militares ucranianos na televisão. O apoio civil ao exército russo não foi o esperado e os aliados políticos de Putin na Ucrânia não tinham a força/domínio esperado. As batalhas estão a cair para o lado russo, no entanto o preço pago é alto. As fragilidades militares russas e dos serviços de inteligência são patentes no terreno. Ao contrário do que pretendia Putin, a Rússia está cada vez mais enfraquecida pela guerra e os níveis de inquietação devem estar alto em Moscovo. Internacionalmente, o líder russo é encarado como responsável por uma violenta guerra; em termos económicos está condenado aos interesses da China (talvez o único país que cinicamente não queira verdadeiramente a escalada do conflito); existe o risco de instabilidade interna devido à crise/guerra; perante o fracasso de instalar um governo fantoche em Kiev, a solução é controlar militarmente a região de Donbass que vai continuar em guerra e a causar morte nas fileiras russas; permitiu a ascensão de um herói mundial (Zelensky); e, talvez mais importante, é Putin que consegue renascer a importância de uma NATO moribunda e os debates para aumentar a percentagem do PIB de cada estado membro para as Forças Armadas e uma notória militarização pela Europa. 

Os novos e tempestuosos ventos oriundos do leste europeu mereciam uma ampla e categórica condenação. O projeto expansionista e belicista de Putin devia ter uma abordagem mais profunda, concreta e crítica por parte da esquerda, nomeadamente, do movimento comunista. É um tremendo erro político abordar a bárbara invasão russa com as narrativas falaciosas que apenas responsabilizam o papel da NATO/EUA/EU, ou realizar leituras que legitimam a propaganda de Putin (caso do “genocídio” nas zonas russófonas ou a “desnazificação” na Ucrânia). Aqueles que lutam pela paz, mas que perante a barbárie e o invasor optam por escolher com cuidado as palavras, são também vítimas de Putin no espaço público. 

Internamente, as infelizes circunstâncias fazem com que seja ainda mais urgente inaugurar um debate interno e amplo sobre o fim da URSS, sobre as figuras políticas que emergiram com a sua derrota e a atualidade do paradigma da geopolítico da Guerra Fria. 

Na Rússia, o regime vai certamente enfrentar uma crise política e o povo russo devia ter acesso a dirigentes da fibra de Dubcek ou de Gorbachev e não os Lavrovs, os Medvedevs, os Naryshkins e os Peskovs da vida do nacionalismo russo. 


sexta-feira, 8 de maio de 2020

75 anos da rendição da Alemanha nazi


Conferência de Ialta, 1945
Hoje é evidente que a II Guerra Mundial aconteceu nestes moldes devido ao falhanço da diplomacia. A divergência sentida no interior dos vários governos dificultou o que hoje é mais do que óbvio: a necessidade de uma frente internacional contra o nazismo/fascismo. O ocidente sempre desconfiado do comunismo e da União Soviética acaba por ter uma posição ambígua, fazendo tratados com o nazismo (como foi o caso do acordo de Munique de 1938) isolando a União Soviética e, sobretudo, os sectores soviéticos que defendiam uma aproximação ao Reino Unido. As desconfianças de Estaline e seus aliados sobre o ocidente acabam por minar o trabalho de uma aliança. Richard Sorge, um brilhante espião soviético, que manteve uma relação íntima com a esposa do embaixador alemão em Tóquio, alertou sem sucesso os líderes soviéticos de que estava previsto um ataque à URSS. O sinistro Beria optou por lutar contra o embaixador soviético em Berlim que escrevia relatórios sobre os planos militares de Hitler na URSS. No entanto, uma certa diplomacia soviética nunca deixou de tentar uma [re]aproximação. Se em 1939 o Molotov assinava o famigerado pacto de não agressão com os nazis, em 1941 Ivan Maisky, embaixador soviético em Londres (que curiosamente não é retirado de cena com a queda de Maxim Litvinov), é responsável pelo tratado Sikorski-Mayski com o governo polaco exilado e, deste modo, o Pacto Molotov-Ribbentrop era anulado. Por esta altura, o próprio Churchill (que tinha sido em 1920 um dos fervorosos defensores da intervenção armada contra os bolcheviques) tinha já a noção da importância da aliança com os soviéticos, fazendo o célebre comentário: «se Hitler invadir o Inferno faço pelo menos uma referência favorável ao Diabo na Câmara dos Comuns».
Ivan Maisky com Churchill
Hoje sabemos que o desfecho da II Guerra Mundial foi possível através do trabalho militar e diplomático entre os aliados. Houve a colaboração entre estados, a divulgação de informação militar sensível, o envio de armamento e a colaboração com as resistências locais. A história não é um lugar neutro nem o passado é imutável. As campanhas ideológicas estruturadas na glorificação acabam por dificultar uma visão crítica e histórica sobre o tema. A II Guerra Mundial é a grande tragédia do nosso tempo. Existe ainda alguma controversa nos números de mortes, mas é consensual que a besta nazi tenha despontado 50 milhões de mortes. Se antes da guerra é possível identificar uma figura coletiva de herói contra o nazismo, por exemplo, o caso de milhares de socialistas, comunistas e antifascistas que optaram por lutar contra a ascensão do nazismo e, desse modo, ficaram no lado certo da história, embora eliminado ou em campos de concentração. O historiador Eric Hobsbwam nas suas memórias relata na primeira pessoa como era ser judeu, democrata, socialista e comunista numa Alemanha de terror (Tempos Interessantes, publicado em Portugal em 2005). No entanto, defender esta ideia na guerra é mais complexo. Tenho para mim que não existe nada de herói na guerra, a narrativa heróica é construída à posteriori pelo poder político. Será possível realizar uma história crítica e séria sobre a barbárie dos aliados sem branquear os crimes e a natureza hedionda do nazismo/fascismo? Hoje é inegável que os exércitos soviéticos e britânicos comentaram crimes de guerra. No Japão, os Americanos são responsáveis por duas experiências nucleares sobre civis desarmados. Para tomar Berlim foi preciso combater contra um “exército” de idosos e crianças. A própria libertação dos campos de concentração terá sido, em última instância, uma experiência devastadora para os soldados.
A história da II Guerra Mundial deve ser, mais do que uma história de glorificação, uma introspecção.


 Hans-Georg Henke, criança soldado do exército nazi a defender Berlim

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Eutanásia



Em 1977 o historiador Philippe Ariès publicava a interessante obra intitulada “O homem perante amorte”, escrevendo sobre o debate existente nas sociedades contemporâneas em «melhorar a morte no hospital […] mas com a condição de que não saia de lá». Contudo alertava a existência de «uma falha na cintura medicalizada, por onde a vida e a morte, tão cuidadosa separadas, poderiam bem juntar-se numa vaga de tempestade popular: é a questão da eutanásia». Philippe Ariès deslinda o olhar das sociedades sobre a morte ao longo dos séculos. Enquanto sociedade temos enormes dificuldades em debater abertamente a morte. Individualmente temos também essa dificuldade e não será errado supor que todos os marxistas, os materialistas históricos, ateus e amante da ciência acabem por colocar o pensamento em contradição e, desse modo, o que outrora era mais do que óbvio é contestado. No íntimo a ideia metafisica que, de uma maneira ou de outra, voltarás a estar com os mortos acaba por vencer a lógica. Carl Sagan, no livro Cosmos, demonstrou que somos construídos da mesma matéria que as estrelas, narrando que a água é convidativa pois sabemos que é la a nossa origem e, por isso, desejamos retornar. Todavia, na solidão do pensamento o nosso maior anseio será o regresso para com os nossos mortos. Se tudo fosse perfeito, no final seremos mais que matéria e átomos…

Portanto, não é fácil abordar a morte o que, obviamente, coloca enormes dificuldades em debater a eutanásia. A palavra eutanásia deriva do grego e significa literalmente “boa morte”, um final sem sofrimento. Tenho para mim que o debate em torno da eutanásia não é propriamente uma fronteira entre esquerda e direita e não será uma questão ideológica, embora exista, em certa medida, uma ligação histórica entre o suicídio e o socialismo (em Portugal temos o caso de José Fontana e Antero de Quental) que será alterada em 1911 com o suicídio de Paul Lafargue e Laura Marx (uma das filhas de Karl Marx). É um debate complexo onde é impossível camuflar a nossa experiência. Infelizmente, todos tivemos alguém a combater no inferno que é o cancro, hospitalizado com alguma doença incurável ou acamado por incapacidade. Todos temos um enorme desgaste emocional pelas experiências dos amigos. Portanto, a experiência pessoal acaba por ser fundamental no debate em torno da eutanásia, vista por muitos como uma escolha individualista, mas no fundo é uma decisão centrada no coletivo, nomeadamente, permitir ao coletivo que é a nossa rede de amigos, família e ao próprio ter a opção de escolha. Pensas na justiça da opção da eutanásia quando coabitas com o sofrimento, a tristeza e a falta de dignidade na morte; quando não há cura possível nem cuidados paliativos; quando a ciência fracassa e a fé não dá força; quando o capitalismo mercantiliza a medicina e os cuidados de saúde; quando a pessoa solicita ao médico ou à entidade omnipotente o acesso a uma morte digna.

O debate eutanásia deve estimular e destacar os cuidados paliativos. Que este debate seja também centrado em torno da salvaguarda do Sistema Nacional de Saúde. Devemos [re]frisar que a maior parte dos doentes continua a não ter acesso aos cuidados paliativos. O SNS devia ter mais camas e melhorar as condições. Somente em 2019 é que foi criado o estatuto do cuidador é importante aprofundar e consolidar esse processo. É urgente alterar o regime laboral para os doentes crónicos. Com eutanásia, ou sem ela, uma vida digna passa imperativamente pelo acesso ao combate da doença com dignidade.

Seja qual for o resultado da votação no parlamento, que o debate seja desenvolvido pela comunidade científica, partidos políticos, constitucionalistas, que se respeite as escolhas de cada um e, principalmente, que o tema eutanásia não nos dívida mais do que a própria morte.



terça-feira, 21 de julho de 2015

Continuem a pensar que o problema de fundo é os 3,9% de famílias ciganas beneficiárias do Rendimento Social de Inserção (RSI) (5 275 em 131 429, segundos os dados do Instituo de Segurança Social, 2008)...



http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=4690539&seccao=Dinheiro+Vivo#.Va4lPcvCwZM.facebook

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Despontar do Movimento Operário Português na Esfera Pública – Das Práticas ao Debate Parlamentar (1850-1860)



Encomendar a obra através da Chiado Editora com os portes de envio gratuitos:
comercial@chiadoeditora.com

«A História do movimento operário, tema maior e hoje quase esquecido da historiografia portuguesa dos anos 70 e 80 do século XX, insere-se nesta categoria, como muitas outras áreas clássicas da História social que a “viragem cultural” que se começa a afirmar a partir dos anos 90 comprometeram, obrigando a rever perspetivas tidas por axiomáticas sobre as relações sociais e os grupos e indivíduos nelas envolvidos.
Ao revisitar as práticas, os conceitos e os discursos que a partir dos anos de 1850 estiveram na origem da formação do operariado como sujeito político em Portugal, o autor deste livro resolve de forma feliz este aparente dilema ao convocar autores clássicos destas matérias como César Oliveira, Carlos da Fonseca ou José Manuel Tengarrinha, entre outros, para, a partir das suas obras mas sem a elas ficar preso, proceder a um inquérito próprio sobre o “despontar do movimento operário na esfera
pública”».
Fátima Sá e Melo Ferreira,
CEHC-Instituto Universitário de Lisboa,
do prefácio.
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sábado, 16 de março de 2013

Comunicação na apresentação do livro - O Republicanismo na Póvoa de Santa Iria - Elementos para a história da freguesia.

Boa noite,
Vou dividir a minha comunicação em dois tópicos: um sobre a história deste projecto, o outro sobre algumas conclusões da investigação.

É pertinente lembrar que de hoje em diante, embora em vertentes distintas, há três livros em torno da história da Póvoa: uma cronologia da autoria de António Godinho; Crónicas e Roteiros das Ruas da Póvoa Antiga de António José Torres; e uma investigação sobre o republicanismo povoense.
A ideia deste projecto remonta a finais de 2009/inícios de 2010 devido, em grande medida, ao Centenário da Implantação da República em Portugal.
É um livro de história cuja a investigação foi feita em arquivo, e tinha como objectivo descobrir, analisar e, por conseguinte, construir conhecimento sobre os primórdios da organização republicana na Póvoa de Santa Iria. Ou seja, perceber a dinâmica republicana na Póvoa antes do 5 de Outubro de 1910.
A investigação ficou delimitada na recta final da Monarquia, isto é, entre o início de 1900 até ao 5 de Outubro de 1910. Grande parte da informação foi retirada de vários jornais da época afectos ao republicanismo e ao Partido Republicano. De grosso modo, a investigação ficou praticamente concluída em 2010, no entanto, devido a vários entraves, não foi possível publicar o livro durante o Centenário da República.
Todavia, não deixa de ser interessante o facto do livro estar inicialmente previsto para 2010, durante o Centenário da República, e acaba por sair num ano em que o 5 de Outubro deixa de ser feriado nacional na República portuguesa.
Posto isto, passo então para um resumo da investigação sobre o Republicanismo Povoense na Alvorada do 5 de Outubro de 1910.
Em primeiro lugar, a penetração do ideal republicano na Póvoa está ligada  a vários vectores: 
  • Uma forte actividade comercial feita pela zona ribeirinha.
  • Uma crescente indústria.
  • As vias de comunicação, sobretudo a linha férrea.
  • A proximidade ao centro político do país, Lisboa.
  • O associativismo (Grémio e Associação de Socorros Mútuos - DORA).
Devemos ter noção que a Póvoa nessa época era uma localidade com poucas ruas, centrada em torno da estrada nacional e do apeadeiro do Comboio, onde viviam entre 700 a 800 habitantes. No fundo era uma zona onde habitualmente passavam mercadorias, pessoas e, com efeito, ideias.
No entanto, ao contrário de algumas povoações vizinhas à Póvoa, que também usufruíam das mesmas características, é possível verificar que o movimento republicano povoense é acentuadamente tardio.
Tudo faz indicar que é apenas em meados de 1906 que são difundidos os primeiros contactos públicos entre o Partido Republicano e os povoenses. Este contacto é remetido, inicialmente, para o interior de uma habitação. Ilustra bem esta ideia, a visita do futuro ministro, António José de Almeida, para realizar uma sessão pública na Póvoa nesse mesmo ano numa casa situada na antiga Rua do Caes. 

Não há dúvidas que na Póvoa havia alguns republicanos, porém, não havia Partido Republicano. 
É somente em finais de 1906 que é criada a 1º Comissão Paroquial Republicana. Uma sessão que é anunciada nos jornais e feita à  noite, em casa de Sabino Garcia Gomes[1].
Esta investigação ainda verificou que o republicanismo povoense tinha bastante apoio no interior das fábricas, havendo notícias de operários que foram despedidos por serem adeptos da República, e de outros que são ameaçados pelas chefias devido ao contacto que tinham com os jornais da esfera republicana. 
No próprio associativismo há importantes alterações , visto que os dirigentes do associativismo acabam por abraçar o ideal republicano, facilitando desse modo a escalada do republicanismo na zona.
Portanto, não é de admirar que acabe por ocorrer várias acções públicas dinamizadas pelos republicanos locais. De facto, é interessante perceber que os republicanos acabam por alargar a sua actividade para o espaço público, como se pode verificar pelos dois comícios do Partido Republicano na Póvoa. Nestes comícios houve a presença figuras de proa do republicanismo nacional.
O 1º comício em Março de 1908, e contou com a presença do já citado Afonso Costa, e é lida e aprovada uma moção, que está reproduzida no livro, a favor da implantada da República em Portugal.
O 2º comício ocorreu em Agosto de 1910 e contou com a presença do futuro Presidente da República, Bernardino Machado.

Todavia, a marca mais importante do republicanismo, na nossa opinião, é ter sido um importante actor histórico na criação da freguesia da Póvoa de Santa Iria. Nesta altura a Póvoa era apenas um bairro de Santa Iria da Azoia, ou seja, fazia parte desta freguesia.
No discurso republicano é evidente uma distinção entre a Póvoa e Santa Iria. Mesmo quando o partido republicano é organizado na freguesia, os republicanos tomam o cuidado de chamar a Comissão Paroquial Republicana da Póvoa e Santa Iria.
Basta pegar no jornal O Mundo desta época para verificar esta ideia. Este jornal republicano separa, acentuadamente, a Póvoa de Santa Iria. Em alguns casos, chega-se mesmo ao ponto de relatar uma notícia ocorrida em Santa Iria com o tópico de Póvoa de Santa Iria.  É importante aqui lembrar que foi o director deste jornal, França Borges, o responsável por elaborar e apresentar, no dia 27 de Abril de 1914, o projecto-lei que objectivava constituição da Póvoa de Santa Iria como freguesia. O projecto seria aprovado em Abril de 1916 pelo então Presidente da República, Bernardino Machado.
Curiosamente, são estes dois republicanos que anos antes tinham marcado presença na Póvoa em comícios, os responsáveis pela fundação da freguesia da Póvoa de Santa Iria.
Efectivamente, o republicanismo promoveu uma ruptura na freguesia de Santa Iria da  Azoia, com a criação da freguesia da Póvoa de Santa Iria.

A participação neste projecto, numa fase em que o país atravessa uma situação económica e social agónica, até com contornes dementes, apercebi.me  que as associações culturais deste tipo são cada vez mais importantes no país, visto que, por exemplo, podem funcionar como um espaço onde os mais jovens, licenciados ou não, conseguem dar corpo as suas aptidões, habilitações e projectos e, desse modo, enriquecer os seus currículos e dando importantes contribuições para a sua comunidade.
Certamente que a Associação Dom Martinho está aberta a futuros projectos, quer sejam no âmbito da fotografia, ciclos de cinema, debates em torno da história, da matemática, da física, da arte, da sociologia... do que for. Podem contactar a Associação através do facebook ou site, ou até pessoalmente.
Posto isto, gostava de agradecer a todos os que ajudaram e apoiaram este projecto. 

À Associação Dom Martinho, nomeadamente, a José Canha e António Nabais por terem acreditado sempre no projecto.
Um agradecimento especial aos meus país por todo o apoio, bem como à Inês Leitão que arduamente e mais uma vez mostrou o seu trabalho artístico na páginação e grafismo do livro.
Ao Pedro Aguiar que por várias vezes foi ao arquivo comigo, ajudando desse modo na pesquisa da informação.
Por fim, a uma pessoa muito especial, a minha namorada que também é uma grande amiga. Anabela Oliveira, que já deve estar mais que farta deste projecto, bem como dos outros todos, mas mesmo assim continua a prestar atenção e apoio.

A todos vós, um muito obrigado pela atenção.


Grémio Dramático Povoense,
Póvoa de Santa Iria,
02-02-2013
João Lázaro.



[1] É, de facto, o homem forte da República na Póvoa. Foi em sua casa que foi eleita a 1º comissão paroquial republicana, bem como alguns convívios com importantes personalidades republicanas. Por exemplo, no final de um comício de 1908, no qual marcou presença o ilustre líder republicano Afonso Costa, foi servido em casa de Sabino Garcia Gomes um copo de água, e o próprio Afonso Costa deu o mote para os brindes, agradecendo a Sabino e sua esposa, e de seguida brindou: «ao povo republicano da Póvoa».
Em jeito de curiosidade, acaba por sair da Póvoa, em 1909, rumo a Vila Franca de Xira, onde vai assumir o cargo de Presidente da Comissão Paroquial Republicana e, já durante a República, vai ser Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira por duas vezes. Portanto, é um republicano recordado pelos jornais como uma personalidade, «a quem o partido deve sacrifícios na organização local da Póvoa».


sábado, 9 de fevereiro de 2013

70 anos da vitória do Exército Vermelho em Stalinegrado.


O dia 02 de Fevereiro é marcado pela estrondosa derrota Hitler na ensanguentada batalha de Estalinegrado e, com efeito, o fim da ofensiva militar na URSS (Barbarossa). Verdadeiramente, a frente leste pode ser caracterizada por uma autêntica hecatombe humana, nomeadamente nas batalhas de Estalinegrado, de Ursk e de Moscovo. Nesta última (Setembro de 1941 a Abril de 1942) foram mortos 926 mil soldados soviéticos, ou seja, as baixas soviética numa única batalha ultrapassam as baixas conjuntas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos ao longo da Guerra. Na batalha de Estalinegrado — uma das mais sangrentas batalhas da história da humanidade — foram mortos cerca de 800 mil alemães, destruídas 10 mil peças de artilharia e cerca de 2 mil tanques.  Ao passo que, no lado soviético os números apontam para mais de 1 milhão de soldados mortos. É de frisar que a média de vida de um novo soldado na frente era apenas de um dia, a batalha estava tão intrincada que houve locais estratégicos da cidade que mudaram de mãos dezenas de vezes. Como salienta o historiador Adam Tooze, «nunca antes, nem depois, se travou batalha com tanta ferocidade, com tantos homens e numa frente de batalha tão extensa»[1]
A batalha pelo controle da cidade ainda tinha uma forte vertente simbólica, visto que o nome da localidade era uma homenagem a Estaline. Conquistar Estalinegrado a Estaline significava um reforço da moral do exército Nazi e, em certa medida, uma mensagem para o resto do globo.
Hoje em dia é largamente aceite na historiografia que a abertura da nova frente de leste e, por conseguinte, a invasão da URSS, foi um ponto de viragem no desfecho da II Guerra Mundial. Porém, a escassez de petróleo na economia Nazi, não deixava outra alternativa senão a tentativa de conquistar o território soviético. A 1 de Junho de 1942 Hitler apregoava: «a minha principal ideia: ocupar a região caucásica, esmagar completamente as forças russas... se não recebo o petróleo de Maikop e Grosny, terei de acabar com esta guerra...»[2]

Importa, salientar que, no entanto, a vitória soviética na frente leste foi condimentada por um importante contributo dos seus aliados, nomeadamente dos ingleses e dos EUA Se os primeiros estavam em contacto com Estaline, fornecendo desse modo informação confidencial (decifrada pela máquina Enigma) sobre as movimentações nazis, os segundos conseguiram fornecer 56 mil telefones de campanha, 381 milhas de fio para as comunicações e 81 mil metralhadoras Thompson.  

A rendição do 6º exército Nazi, comandado por Friedrich Paulus, foi a machadada final na frente leste, citando Eric Hobsbwam, «de Estalinegrado em diante, todos sabiam que a derrota da Alemanha era só uma questão de tempo»[3].

Portanto, Estalinegrado foi crucial para o desfecho da II Guerra Mundial, mas também para a consolidação, e o devido reconhecimento, da União Soviética no plano internacional. De facto, a posição de negociação de Estaline perante Roosevelt e  Churchill ficou musculada e pujante. Estaline, que tinha negociado um pacto de não-agressão com Hitler, acaba por representar o coveiro de Hitler. 

Todavia, a atitude de Estaline, em sintonia com uma parte da direção do PCUS, nem sempre foi a mais feliz, perante a ameaça beligerante nazi. É já sabido que Estaline foi largamente alertado pelos serviços secretos soviéticos sobre um iminente ataque nazi. Richard Sorge, um brilhante espião soviético, que manteve uma relação íntima com a esposa do embaixador alemão em Tóquio, alertou sem sucesso os lideres soviéticos de que estava previsto um ataque à URSS. O próprio líder da NKVD, o sinistro Lavrenti Beria, escreveu uma carta a Estaline no dia anterior à invasão nazi, na qual afirmava: «mais uma vez insisto que se convoque e castigue Dekanozov, o nosso embaixador em Berlim que me continua a bombardear com «relatórios sobre os alegados preparativos de Hitler para um ataque à URSS. Indicou que o ataque teria lugar amanhã... Mas eu e o meu assessor, Iosif Vissarionovich, gravámos indelevelmente na nossa memória a sua sábia conclusão: Hitler não nos vai atacar em 1941»[4].

Além da recusa de Estaline em interpretar a valiosíssima informação secreta sobre as movimentações militares dos exércitos de Hitler, decorreram ainda várias interferências no interior do exército soviético, facultando desse modo o sucesso militar inicial de Hitler. Se por um lado, é dada a ordem de proibição à  implementação de planos militares de cariz defensivo contra uma eventual invasão, por outro, o próprio alto comando militar soviético estava debilitado devido às purgas de 1937-38. Por exemplo, dos cinco marechais da União Soviética, três tinham sido mortos nessas purgas. É bastante pertinente relembrar que entre esses três marechais mortos estava o Marechal Tukhachevsky, que em 1936 afirma categoricamente, na Academia de Formação Geral, que o inimigo contra quem a URSS devia estar militarmente preparada era, nada mais, que a Alemanha Nazi. A preocupação deste Marechal estava relacionada com o ataque relâmpago (blitzkrieg) aperfeiçoado pela máquina de guerra Nazi. Tukhachevsky foi detido e fuzilado em Junho de 1937.

Embora «nuca se deve esquecer [...] que a União Soviética perdeu muito mais vidas do que qualquer outro estado combatente durante a Segunda Guerra Mundial, que o grosso dessas mortes foi provocado pela barbaridade da invasão Nazi, e que mais do que qualquer outro país, foram as forças da União Soviética que derrotaram a Alemanha Nazi na guerra terrestre na Europa»[5]. É indispensável deslindar o papel negligente, particularmente,  de Estaline na II Guerra Mundial.


[2] Citando em A.I. Eremenko, Estalinegrado, p. 20.

[3] Eric Hobsbwam, A Era dos Extremos. História breve do século XX 1914-1991, p. 49.

[4] citado em, Archie Brown, Ascensão e Queda do Comunismo, p. 170.


[5] Archie Brown, Ascensão e Queda do Comunismo, p. 172.